Uma importante lição sobre gritar com os filhos
O
artigo abaixo chegou num momento bastante oportuno, ao observar uma mãe a caminho da escola com sua filha, utilizando a voz bastante alterada para chamar a atenção da filha
O fato que a autora coloca como problema nos
remete às situações pessoais ou profissionais adversas que podem influenciar na maneira como
os adultos agem com os pequenos, e como é importante sair do papel de agente e passar a ser
observador do próprio comportamento e perceber o poder que temos nas mãos em
relação aos sentimentos e atitudes que geramos.
Assim, espero que a leitura faça suscitar
uma reflexão para se encontrar caminhos que talvez coincidam com o relato de Rachel
Macy Stafford ou ainda, quem sabe, acrescentar outros para a convivência
harmoniosa e voltada para a Paz.
Solange das Graças Seno
Uma
importante lição sobre gritar com os filhos
Postado
em 05/08/2014 no site http://www.huffingtonpost.com/rachel-macy-stafford/gritar-com-filhos_b_5287785.html
por Rachel Macy Stafford (New York Times
Best-Selling Author and Certified Special Education Teacher)
Guardo com carinho os
bilhetes que recebo de minhas filhas, quer sejam rabiscados com canetinha
colorida sobre post-it ou escritos com letra perfeita sobre papel pautado. Mas
o poema de Dia das Mães que ganhei na primavera passada de minha filha mais
velha me causou impacto profundo.
Foi o primeiro verso que me deixou com a
respiração presa na garganta, até que lágrimas quentes escorreram por meu
rosto.
O importante da minha
mãe é... que ela está sempre ao meu lado, mesmo quando me meto em problemas.
Sabe o que é... Nem
sempre foi assim.
No meio de minha vida
altamente cheia de distrações, iniciei uma nova prática que é completamente
diferente de como eu me comportava até então. Virei gritadora. Não era
frequente, mas era extremo - como um balão que está cheio demais, estoura de
repente e dá um susto em todas as pessoas em volta.
O que havia nas minhas
filhas, então com 3 e 6 anos, que me fazia perder a compostura? Era que ela
insistia em sair correndo para buscar mais três colares de contas e seus óculos
de sol cor-de-rosa favoritos quando já estávamos atrasadas? Que tentava colocar
o cereal no prato, sozinha, e derramava a caixa inteira sobre o balcão da
cozinha? Foi o fato de ela ter deixado cair no chão e se espatifar meu anjo
especial de vidro, depois de eu ter dito para não tocar nele? Foi que ela
resistia ao sono a qualquer custo na hora em que eu mais precisava de paz e
tranquilidade? Era o fato de as duas brigarem por coisas ridículas, como qual
seria a primeira a sair do carro ou quem ficaria com a colherada maior de
sorvete?
Sim, eram essas coisas
-- probleminhas normais e atitudes infantis típicas que me irritavam ao ponto
de me fazer perder o controle.
Não é fácil escrever
essa sentença. E não é fácil recordar aquela fase de minha vida, porque, a
verdade seja dita, eu me odiava naqueles momentos. O que tinha acontecido
comigo que me levava a gritar com as duas pessoinhas preciosas que eu amava
mais que a própria vida?
Deixe eu lhe contar o
que tinha acontecido comigo.
Minhas distrações.
Uso excessivo do
telefone, excesso de compromissos assumidos, múltiplas páginas de listas de
tarefas a cumprir, a busca da perfeição, tudo isso me consumia. E gritar com as
pessoas que eu amava foi o resultado direto da perda de controle que eu estava
sentindo em minha vida.
Inevitavelmente, eu
tinha que desabar em algum lugar. Então desabei a portas fechadas, na companhia
das pessoas que significavam mais para mim.
Minha filha mais velha
tinha subido num banquinho e estava tentando alcançar alguma coisa na copa
quando acidentalmente derrubou um saco inteiro de arroz no chão. Enquanto uma
chuva de um milhão de grãos de arroz se espalhava sobre o chão, os olhos de minha
filha se encheram de lágrimas. E foi então que vi -- vi o medo nos olhos dela,
enquanto se preparava para ouvir a reação irada de sua mãe.
Ela está com medo de
mim, pensei, e foi o insight mais doloroso imaginável. Minha filha de 6 anos de
idade está com medo de minha reação ao erro inocente dela.
Com pesar profundo,
percebi que não era essa a mãe com quem eu queria que minhas filhas crescessem,
e que não era assim que eu queria viver o resto de minha vida.
Algumas semanas depois
daquele episódio, tive meu momento de revelação -- meu momento de
conscientização dolorosa que me impeliu a empreender uma jornada para me livrar
das distrações e agarrar o que importava de fato. Isso aconteceu três anos
atrás -- três anos de redução gradual do excesso e das distrações eletrônicas
em minha vida. Três anos me libertando do padrão de perfeição inalcançável e da
pressão social para "dar conta de tudo". À medida que fui me
liberando de minhas distrações internas e externas, a raiva e o estresse
acumulados dentro de mim se dissiparam, pouco a pouco. Carregando um peso mais
leve, fui capaz de reagir aos equívocos e travessuras de minhas filhas de
maneira mais calma, compassiva e razoável.
Eu dizia coisas como:
"É apenas uma calda de chocolate, nada mais. Você pode passar um pano, e o
balcão ficará novinho em folha."
(Em vez de soltar um
suspiro de exasperação, completando com uma revirada de olhos.)
Eu oferecia segurar a
vassoura enquanto ela varria um mar de sucrilhos que cobria o chão.
(Em vez de ficar em pé
diante dela com um olhar de desaprovação e aborrecimento total.)
Eu a ajudava a pensar
onde poderia ter deixado seus óculos.
(Em vez de criticá-la
por ser tão irresponsável.)
E nos momentos em que a
pura e simples exaustão e os choramingos incessantes estavam prestes a me tirar
a calma, eu entrava no banheiro, fechava a porta e me dava um momento para
soltar o ar e me lembrar que elas eram crianças, e que crianças cometem erros.
Exatamente como eu.
Não sei se eu teria
tido a ideia de escrever sobre esta transformação profunda, não fosse pelo
incidente que aconteceu quando eu estava terminando o manuscrito de meu livro.
Naquele momento, senti o gostinho da vida me derrubando, e a vontade de berrar
estava na ponta de minha língua. Eu estava chegando aos capítulos finais e meu
computador travou. De repente, as correções feitas em três capítulos inteiros
sumiram diante de meus olhos. Passei vários minutos tentando freneticamente
reverter para a versão mais recente do manuscrito. Quando isso não funcionou,
consultei o backup Time Machine, mas descobri que também ele tinha apresentado
um erro. Quando percebi que eu não recuperaria jamais o trabalho que tinha
feito sobre aqueles três capítulos, tive vontade de chorar -- mas, ainda mais
que isso, de ficar furiosa.
Mas eu não podia,
porque era hora de buscar as meninas na escola e levá-las no treino de natação.
Com muito autocontrole, fechei meu laptop calmamente e me fiz lembrar que
poderia haver problemas muito, muito piores que reescrever aqueles capítulos.
Então disse a mim mesma que não havia absolutamente nada que eu pudesse fazer
naquele momento.
Quando minhas filhas
entraram no carro, perceberam imediatamente que havia algo de errado. "O
que foi, mamãe?" perguntaram em uníssono, depois de um olhar para meu
rosto pálido.
Tive vontade de berrar:
"Acabei de perder um quarto de meu livro!"
Mas, em vez disso,
falei com calma: "Está um pouco difícil para mim falar neste momento.
Perdi parte de meu livro. E não quero falar, porque estou muito
frustrada."
"A gente sente
muito", disse a mais velha, falando pelas duas. E então, como se soubessem
que eu precisava de espaço, fizeram silêncio até chegarmos à natação. As
meninas e eu fizemos as coisas do nosso dia, e, embora eu tenha ficado mais
silenciosa que de costume, não gritei e me esforcei ao máximo para não pensar
no problema do livro.
Finalmente, o dia
estava quase no fim. Ajeitei as cobertas em volta de minha filha menor e me
deitei ao lado da minha filha maior para nossa "hora de bate-papo" de
todas as noites.
"Você acha que vai
conseguir os capítulos de volta?", minha filha perguntou.
Foi quando comecei a
chorar. Não tanto pelos três capítulos, eu sabia que poderiam ser reescritos.
Chorei mais pela exaustão e frustração de escrever e editar um livro. Eu tinha
estado tão perto do final. Ter aquilo arrancado de mim de repente era
incrivelmente decepcionante.
Para minha surpresa,
minha filha esticou a mão e fez um carinho suave no meu cabelo. Disse coisas
tranquilizadoras, como "computador pode ser tão frustrante!" e
"eu poderia dar uma olhada no Time Machine e ver se dou um jeito no
backup". E depois, finalmente, "Mamãe, você dá conta disso. Você é a
melhor escritora que conheço" e "vou te ajudar de qualquer jeito que
eu puder".
Em minha hora de
dificuldade, ela estava ali, paciente, compassiva, me encorajando, alguém que
não sonharia em me chutar quando eu já estava no chão.
Minha filha não teria aprendido
essa reação de empatia se eu tivesse continuado a ser gritadora. Porque gritar
fecha a comunicação, corta o laço. Leva as pessoas a se distanciarem, em vez de
se aproximarem.
O importante é que ... Minha mãe está sempre ao meu lado, mesmo
quando me meto em problemas.
Minha filha escreveu
isso sobre mim, a mulher que passou por uma fase difícil, da qual ela não se
orgulha, mas com a qual aprendeu. E, nas palavras de minha filha, enxergo
esperança para outros.
O importante é... Que
não é tarde para deixar de gritar.
O importante é ... Que
as crianças perdoam -- especialmente se veem a pessoa que amam se esforçando
para mudar.
O importante é... Que a
vida é curta demais para perdermos a calma por causa de cereal derrubado ou
sapatos que você não sabe onde deixou.
O importante é... Não
importa o que tenha acontecido ontem, hoje é um novo dia.
Hoje podemos optar por
uma reação pacífica.
E, fazendo isso,
podemos ensinar a nossos filhos que a paz constrói pontes - pontes que podem
nos levar até o outro lado em momentos de dificuldade.
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